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Os custos da morte

“Que homem pode viver e não ver a morte, ou livrar-se do poder da sepultura?” Salmos 89:48

<p>A morte bateu &agrave; porta do velho Cossa. N&atilde;o avisou. Ali&aacute;s, este &eacute; o seu&nbsp;<em>modus operandi</em>. Nunca avisa. O velho Cossa n&atilde;o se queixava de alguma doen&ccedil;a. At&eacute; ao momento da sua partida para a &ldquo;inadi&aacute;vel viagem&rdquo;, tudo indicava ter uma boa sa&uacute;de. Quis o destino que ele morresse saud&aacute;vel, sem ter adoecido. Sem ter dado muito trabalho a sua esposa.</p> <p>O velho Cossa deixa uma vi&uacute;va. Os filhos do casal j&aacute; os tinham abandonado h&aacute; anos por alega&ccedil;&otilde;es de os pais serem feiticeiros. Na verdade, este &eacute; o pre&ccedil;o da velhice no pa&iacute;s do pandza. S&atilde;o milhares de pessoas que temem atingir a terceira idade. Neste pa&iacute;s, a velhice &eacute; sin&oacute;nimo de feiti&ccedil;aria. Todos os dias a comunica&ccedil;&atilde;o social relata casos de idosos que s&atilde;o mortos pelos seus pr&oacute;prios filhos sob alega&ccedil;&atilde;o de serem feiticeiros e estarem a inviabilizar as suas vidas.</p> <p>A velha Catarina, quando viu o seu marido estatelado no ch&atilde;o sem manifestar nenhum sinal de vida, n&atilde;o levou a s&eacute;rio. A morte seria a &uacute;ltima coisa a passar pela sua cabe&ccedil;a. Aproximou-se do seu marido. Mexeu-o. N&atilde;o houve nenhuma reac&ccedil;&atilde;o. N&atilde;o conseguiu digerir o assunto que estava vendo. Parou por alguns segundos a pensar se estava a sonhar ou era realidade. Ficou sem saber. Pegou no telefone. Discou o contacto de emerg&ecirc;ncia dos servi&ccedil;os da sa&uacute;de. O telefone tocou do outro lado.</p> <p>&ndash; Boa noite, aqui fala a av&oacute; Catarina. Ligo-vos a partir do bairro dos esquecidos desta cidadela do pa&iacute;s do pandza. O meu marido parece que desmaiou. N&atilde;o est&aacute; a se mexer. N&atilde;o sei o que poder&aacute; estar a acontecer com ele. Por favor, ajudem-me com muita urg&ecirc;ncia&hellip; &ndash; Explicou a av&oacute; Catarina ao recepcionista do centro de sa&uacute;de.</p> <p>&ndash; Percebemos, m&atilde;e. N&oacute;s agora estamos a caminho da sua casa. Mantenha calma. &ndash; Respondeu a outra voz do outro lado do telefone.</p> <p>&ndash; Est&aacute; bem, estou &agrave; vossa espera. N&atilde;o demorem, por favor! Salvem a vida do meu marido. Ele &eacute; a &uacute;nica pessoa que tenho na vida. Por favor&hellip; &ndash; Implorou a velha Catarina.</p> <p>&ndash; N&atilde;o te preocupes. Dentro de instantes estaremos a&iacute;. &ndash; Garantiram os profissionais de sa&uacute;de.</p> <p>A velha Catarina desligou o telefone. Conhecendo a morosidade dos profissionais da sa&uacute;de, deduziu que levariam muito tempo para chegarem &agrave; sua casa. Apenas desatou a chorar l&aacute;grimas de dor. Fez mil e uma ora&ccedil;&otilde;es pedindo ao alt&iacute;ssimo que devolvesse a vida do seu amado marido. N&atilde;o p&aacute;ra de chorar pelo seu marido. Ama-o bastante. Seus olhos ficaram inundados de l&aacute;grimas. S&atilde;o l&aacute;grimas de dor. Pensa em como a vida vai ser sem o seu marido. Sem trabalho. Sem os seus filhos. Ser&aacute; uma total desgra&ccedil;a.</p> <p>Minutos depois, a velha ouve sirenes de um carro que vinha a uma alta velocidade. Levantou-se. Espreitou. Era a ambul&acirc;ncia que vinha para salvar o seu esposo. Parou de chorar, pois estava a ver os deuses que poderiam salvar a vida do seu amado marido. Abriu a porta do quintal, a ambul&acirc;ncia entrou. Carregaram o madala Cossa, colocaram-lhe na ambul&acirc;ncia. Um pingo de esperan&ccedil;a nasce no seu interior. &Eacute; esperan&ccedil;a de que o madala Cossa voltaria do mundo dos mortos. Ter&aacute; o prazer de o abra&ccedil;ar, beijar e partilhar a mesma cama com ele como sempre foi.</p> <p>A velha Catarina subiu na ambul&acirc;ncia. O motorista da ambul&acirc;ncia conduziu de regresso ao hospital. Pelo caminho, os profissionais de sa&uacute;de iam tentando a todo custo reanimar o madala Cossa. Infelizmente a reanima&ccedil;&atilde;o n&atilde;o surtiu nenhum efeito. A tristeza voltou a habitar nas entranhas da velha Catarina.</p> <p>Minutos depois j&aacute; estavam no centro de sa&uacute;de. A velha Catarina, mandaram-lhe ficar na sala de espera, enquanto orava pela vida do seu amado esposo. Os m&eacute;dicos levaram-no para um laborat&oacute;rio onde lhe reanimaram. Fizeram uma bateria de exames. Fizeram de tudo que estava ao seu alcance para devolver a vida ao madala Cossa. Mas n&atilde;o foi poss&iacute;vel. Ele tinha partido.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Depois de esgotarem todas as suas for&ccedil;as sem lograr algum sucesso, os m&eacute;dicos deram-se por vencidos. N&atilde;o havia mais algo que podiam fazer para ver o velho Cossa vivo. A sua miss&atilde;o aqui na terra j&aacute; tinha terminado. Faltava-lhe apenas cumprir outras miss&otilde;es celestiais. Os m&eacute;dicos sa&iacute;ram do laborat&oacute;rio cabisbaixos e muito tristes. N&atilde;o conseguiram devolver a vida do velho Cossa. Dirigiram-se &agrave; sala de espera onde se encontrava a velha Catarina para lhe darem a triste not&iacute;cia da morte do seu marido. A velha Catarina os viu. A ansiedade tomou conta de si.</p> <p>&ndash; Que tal, sobreviveu, nem? Conseguiram trazer de volta a vida do meu amado marido? Vai, falem. Conseguiram impedir com que o meu marido fosse ao mundo dos mortos? conseguiram&hellip; &ndash; Perguntava a velha Catarina num tom de desespero.</p> <p>Todos os m&eacute;dicos n&atilde;o tinham a coragem de dar-lhe a triste not&iacute;cia. Mas, tarde ou cedo ela saberia. Por isso, os m&eacute;dicos ganharam mais coragem.</p> <p>&ndash; Minha senhora, lamento muito ter que dizer. Mas o seu marido evoluiu para &oacute;bito. &ndash; Disse o porta-voz dos m&eacute;dicos, com o seu semblante ostentando tristeza.</p> <p>&ndash; O que &eacute; isso de &oacute;bito? Quer dizer que ele sobreviveu? &ndash; Questionou a velha Catarina, que estava muito desesperada.</p> <p>&ndash; Nada disso. &Oacute;bito quer dizer que est&aacute; morto. &ndash; Respondeu o m&eacute;dico.</p> <p>&ndash; Voc&ecirc;s s&atilde;o m&eacute;dicos. Salvam vidas. N&atilde;o podiam salvar a vida do meu marido? &ndash; Questionou a velha Catarina, enquanto os seus olhos jorravam um rio de l&aacute;grimas de tristeza.</p> <p>&ndash; Tentamos, minha senhora. Infelizmente n&atilde;o foi poss&iacute;vel. Demos o nosso m&aacute;ximo, mas n&atilde;o foi poss&iacute;vel devolver a vida do madala Cossa. N&atilde;o h&aacute; mais nada que possamos fazer. &ndash; Respondeu o porta-voz dos m&eacute;dicos.</p> <p>A velha Catarina digeriu mal a triste not&iacute;cia. Desmaiou. Os m&eacute;dicos ficaram preocupados. Pegaram-na antes mesmo que ca&iacute;sse. Nas suas mentes come&ccedil;ou a pairar d&uacute;vidas. Ser&aacute; que ela est&aacute; a seguir o caminho do seu marido para aquela viagem, a morte? Reanimaram a velha, mas nada. Insistiram na reanima&ccedil;&atilde;o. A velha n&atilde;o reagia. As esperan&ccedil;as diminu&iacute;am a cada tentativa sem sucesso. Insistiram novamente. Nada. Insistiram mais uma vez. Felizmente reagiu. A velha Catarina despertou. Os m&eacute;dicos sorriram de alegria.</p> <p>&ndash; Cossa, Cossa, diga-me que est&aacute; vivo. Diga-me&hellip; &ndash; Dizia a velha Catarina logo que acordou do desmaio, muito desesperada.</p> <p>&ndash; Senhora, tenha calma. O seu marido est&aacute; morto. &ndash; Disse o m&eacute;dico. &ndash; Ali&aacute;s, tu precisas descansar. O dia de hoje foi longo. O corpo do seu marido vai ficar aqui na morgue do hospital. Vamos te levar at&eacute; a sua casa para descansares. Amanh&atilde;, logo de manh&atilde;, venha para tratar os assuntos atinentes ao funeral do seu marido. Os homens do munic&iacute;pio estar&atilde;o aqui para o tratamento de toda papelada. Entendeu? &ndash; Acrescentou o m&eacute;dico.</p> <p>&ndash; Est&aacute; bem. &ndash; Respondeu a velha Catarina, enquanto chorava por a dor ser maior. Anoiteceu. Os m&eacute;dicos acompanharam a velha Catarina para sua resid&ecirc;ncia e depois foram-se para as suas casas. A velha Catarina pernoitou. N&atilde;o conseguia ter sono. Pensava somente no seu saudoso marido.</p> <p>Amanheceu. A velha Catarina preparou-se e dirigiu-se ao hospital. Os homens do munic&iacute;pio j&aacute; estavam bem posicionados para a tramita&ccedil;&atilde;o da papelada para o vel&oacute;rio e funeral de madala Cossa.</p> <p>&ndash; Bom dia, senhora! Em que podemos ajudar? &ndash; Saudou-a um dos profissionais do munic&iacute;pio que j&aacute; se encontrava bem posicionado naquele centro de sa&uacute;de para a tramita&ccedil;&atilde;o de toda a papelada que seria necess&aacute;ria para que pudessem ir deixar o corpo de madala Cossa na sua &uacute;ltima morada.</p> <p>&ndash; Eu sou a vi&uacute;va do senhor Cossa. Venho tratar a documenta&ccedil;&atilde;o para poder prosseguir com os processos f&uacute;nebres do meu marido. Quero-lhe oferecer um funeral e sepultamento condigno. &ndash; Respondeu a velha Catarina.</p> <p>&ndash; &Oacute;ptimo. Onde &eacute; que est&aacute; o dinheiro? &ndash; Questionou o funcion&aacute;rio do munic&iacute;pio.</p> <p>A velha Catarina tomou um susto. A palavra dinheiro &eacute; a &uacute;ltima coisa que esperava ouvir naquele momento mais triste e dif&iacute;cil da sua vida.</p> <p>&ndash; Dinheiro? Que dinheiro? &ndash; Questionou a velha Catarina, num tom admirativo.</p> <p>&ndash; Espera eu te explicar. A reserva de espa&ccedil;o para enterrar um cad&aacute;ver aqui custa quatro mil e quinhentos meticais contra os mil e quinhentos meticais anteriores. J&aacute; a chapa de identifica&ccedil;&atilde;o da campa passa a custar quatrocentos meticais contra os anteriores cem. Quanto ao pre&ccedil;o de crema&ccedil;&atilde;o de cad&aacute;veres, aumenta dos actuais quinhentos para cinco mil meticais. A exuma&ccedil;&atilde;o de corpos passa dos mil meticais para dois mil e quinhentos meticais. J&aacute; a licen&ccedil;a para a constru&ccedil;&atilde;o de campa em cimento custa mil e quinhentos meticais contra os anteriores mil meticais. Se for a usar m&aacute;rmore, o pre&ccedil;o subiu de dois mil para tr&ecirc;s mil meticais. Por &uacute;ltimo, caso queira Jazigo, a&iacute; j&aacute; o pre&ccedil;o ser&aacute; cada vez maior. Ter&aacute; de pagar dez mil meticais contra os anteriores cinco mil meticais. &ndash; Explicou-lhe o funcion&aacute;rio do munic&iacute;pio, ao m&iacute;nimo detalhe. &ndash; Esta &eacute; a nova lei que acabou de ser aprovada. Agora &eacute; s&oacute; escolher a forma como quer enterrar o seu ente querido.</p> <p>A velha Catarina ficou confusa e preocupada ao ouvir aqueles n&uacute;meros alt&iacute;ssimos. Nunca pensou que morrer j&aacute; tinha se tornado carro nesta terra de&nbsp;<em>pandza</em>. N&atilde;o chegou a equacionar que o luto um dia viraria neg&oacute;cio muito lucrativo. Enterrar um ente querido tornou-se muito caro. Viver custa. Agora morrer tamb&eacute;m custa. O sil&ecirc;ncio tomou conta da velha Catarina. Estava a reflectir em como procederia. Infelizmente chegou &agrave; conclus&atilde;o de que n&atilde;o reunia as condi&ccedil;&otilde;es necess&aacute;rias para oferecer um enterro condigno ao seu parceiro. Decidiu quebrar o sil&ecirc;ncio que j&aacute; durava alguns segundos.</p> <p>&ndash; Como assim? Encarecer o enterro de um morto? N&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel. Assim est&atilde;o a transformar algo eminentemente social em neg&oacute;cio? N&atilde;o pode ser&hellip; &ndash; Berrava a velha Catarina, quando o funcion&aacute;rio do munic&iacute;pio a interrompeu.</p> <p>&ndash; Senhora, n&atilde;o se exalte aqui. N&oacute;s apenas estamos a cumprir a lei que a assembleia municipal aprovou. N&atilde;o fomos n&oacute;s que escrevemos e aprovamos estas leis. Lei &eacute; lei e deve ser cumprida &ndash; Disse o funcion&aacute;rio do munic&iacute;pio.</p> <p>&ndash; E n&oacute;s que n&atilde;o trabalhamos, onde &eacute; que vamos buscar o dinheiro para que consigamos oferecer um enterro condigno aos nossos ente queridos? Eu quero oferecer um enterro condigno para o meu falecido marido, mas n&atilde;o tenho esse todo dinheiro que voc&ecirc;s est&atilde;o a cobrar. Digam-me, agora como &eacute; que vou fazer? &ndash; Questionou-lhes.</p> <p>&ndash; Bem, o que a senhora pode fazer &eacute; tratar um atestado de pobreza para poder beneficiar destes servi&ccedil;os gratuitamente. &ndash; Explicou-lhe.</p> <p>As palavras &ldquo;atestado de pobreza&rdquo; e &ldquo;gratuita&rdquo; n&atilde;o fazem parte do vocabul&aacute;rio da velha Catarina. O n&iacute;vel do portugu&ecirc;s foi elevado.</p> <p>&ndash; Ok! &ndash; Respondeu a velha Catarina e de seguida retirou-se do local, mesmo n&atilde;o sabendo o significado de atestado de pobreza e muito menos da palavra gratuito.</p> <p>A velha Catarina saiu daquele local muito confusa, chateada e revoltada com a atitude do munic&iacute;pio de encarecer os servi&ccedil;os f&uacute;nebres numa altura em que o custo de vida n&atilde;o anda de m&atilde;os dadas com os sal&aacute;rios. H&aacute; muito que n&atilde;o se aumenta o sal&aacute;rio m&iacute;nimo. Foi-se embora daquele local e desistiu de realizar um enterro condigno do seu parceiro.</p> <p>Passaram-se muitos meses. O corpo do velho Cossa n&atilde;o estava a ser reclamado na morgue do hospital. As autoridades de sa&uacute;de viram-se obrigadas a levar o corpo do velho Cossa e de outros que foram abandonados naquela unidade sanit&aacute;ria, para uma vala comum, um recurso considerado para os mais carenciados. &Eacute; na vala comum onde s&atilde;o enterrados os cad&aacute;veres abandonados, sem a realiza&ccedil;&atilde;o de cerim&oacute;nias f&uacute;nebres. &Eacute; como se fosse um enterro de um c&atilde;o. O corpo do madala Cossa foi jogado na vala comum, juntamente com outros que n&atilde;o estavam a ser reclamados.</p>

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