O livro "Santa-Bárbara Capista de Zeca", de Abel Soares da Rosa, que é apresentado na sexta-feira, em Lisboa, realça a obra "pioneira" do artista plástico José Santa-Bárbara e a sua cumplicidade com José Afonso (1929-1987).
<p>"Santa-Bárbara foi pioneiro em Portugal, ao ter acompanhado uma arte que nascia [naquele período] internacionalmente, e é pioneiro porque as suas capas [de álbuns] são conceptuais e têm mensagem", afirmou o investigador Abel Soares da Rosa, autor do livro, em declarações à agência Lusa.</p> <p> </p> <p>"Em Portugal não era muito comum [haver] capas conceptuais - as capas eram até horrendas com uma foto do artista numa pose comercial", pouco mais, afirmou o investigador, à agência Lusa.</p> <p>O autor realçou "a dinâmica [de José Afonso] e a sua luta pela liberdade que cantava, as suas ações, e é claro que Santa-Bárbara tinha em comum esta dinâmica, esta luta".</p> <p>José Afonso "conseguiu perceber que havia algo mais a fazer além da grande revolução e influência que teve na música portuguesa", por isso, "as capas passaram também a ter um papel nessa mensagem", encontrando no designer José Santa-Bárbara o parceiro ideal.</p> <p>Para o investigador, a perceção de José Afonso "é algo notável", porque "conseguiu entregar e perceber que podia haver algo mais que podia estar ao serviço da sua mensagem, da sua utopia".</p> <p>No contexto da época, os discos LP tinham um formato de maior dimensão (31X31cm), e quando expostos nas montras, eram imediatamente vistos, antecipando o seu conteúdo.</p> <p>Entre Santa-Bárbara e José Afonso, além da afinidade artística havia também uma cumplicidade política.</p> <p>ADVERTISING</p> <p> </p> <p>José Santa-Bárbara não era um desconhecido da polícia política do regime de ditadura que vigorou em Portugal até 1974. Em 1959, os estudantes das três academias da época - Lisboa, Porto e Coimbra - enviaram uma carta ao então presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, "o ditador", pedindo a sua demissão.</p> <p>Entre os 402 signatários, como João Tito de Morais, Fernando Assis Pacheco, Jorge Campinos e Isabel do Carmo, estava também José Santa-Bárbara.</p> <p>A investigação de Abel Soares da Rosa levou-o à consulta do processo do artista nos processos da polícia política, a PIDE, atualmente depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. É um dos documentos apresentados neste livro.</p> <p>"Santa-Bárbara estava vigiado pela PIDE e, o curioso, é que sendo ele um homem solidário e comprometido na luta contra a ditadura e pela liberdade de expressão, por sorte, nunca foi apanhado pela polícia política", afirmou Soares da Rosa.</p> <p>"As duas músicas que nós, portugueses, associamos à festa da liberdade e ao 25 de Abril de 1974, têm capas e arranjos gráficos do José Santa-Bárbara", disse Soares da Rosa à Lusa, referindo-se a "'Grândola, Vila Morena', que saiu pela Orfeu", no álbum "Cantigas do Maio", em EP e em 'single', e ao "'single' 'E Depois do Adeus', de Paulo de Carvalho, o que não deixa de ser extraordinário".</p> <p>José Santa-Bárbara e José Afonso conheceram-se "num encontro ocasional" de amigos, em meados da década de 1960, no bairro lisboeta dos Olivais, e "a partir daí começou a existir cada vez mais proximidade, até que José Afonso, quando vinha a Lisboa, passou a ser visita regular da casa de Santa-Bárbara e até já lá tinha um pijama", recordou Soares da Rosa.</p> <p>Nestas estadias, "José Afonso apresentou Santa-Bárbara a outros dois ilustres vizinhos do bairro dos Olivais, [o compositor] José Niza [1938-2011] e o [músico e cantor] Adriano Correia de Oliveira [1942-1982]".</p> <p>José Afonso e o músico Rui Pato ensaiaram na casa de José Santa-Bárbara temas do álbum "Contos Velhos Rumos Novos" (1969).</p> <p>Sobre este disco, Soares da Rosa recordou "uma história muito engraçada". Na casa de Santa-Bárbara havia um candeeiro de plástico rígido, de design italiano, e a meio de uma sessão de ensaio "José Afonso, sempre à procura de ritmos e novos sons, virou-se para Santa-Bárbara e disse que precisava de qualquer coisa para fazer o ritmo. Santa-Bárbara lembrou-se daquele candeeiro de plástico com estrias, e com um lápis fez o ritmo, lá acabou por sair no tema 'Era Noite e levaram-no'. Está registado no disco".</p> <p>O livro resgata o título de um dos raros artigos que chamou à atenção para o trabalho gráfico de Santa-Bárbara, assinado por Fernando Assis Pacheco e publicado no jornal Musicalíssimo, em novembro de 1972, com uma entrevista ao artista plástico a propósito da edição do álbum "Eu Vou Ser como a Toupeira" (1972), de José Afonso.</p> <p>Para a capa deste álbum, Santa-Bárbara foi buscar a entrada de um Dicionário Lello, sobre subversão, onde se lê "ser a pessoa que subverte a instituição pelo interior", "só que a palavra 'subverte' desaparece misteriosamente na imagem da capa, [mas] fica subentendida".</p> <p>A capa do livro "Santa-Bárbara Capista do Zeca" é uma referência ao álbum "Cantigas do Maio" (1971), reproduzindo também a mão de Santa-Bárbara, num fundo preto, preenchida com versos de uma das cantigas de José Afonso. Em "Cantigas do Maio", a mão em primeiro plano reproduz o texto manuscrito da canção que dá nome ao álbum, culminando o gesto que deixa atrás de si o espetro ótico, do mais 'frio' violeta, para o vermelho mais 'quente'.</p> <p>O livro inclui os diversos esboços para as nove capas de José Afonso que Santa-Bárbara concebeu, seu tema central, assim como os poemas do autor de "Cantares de Andarilho" (1968), com contexto, e investigação sobre o artista plástico de 87 anos, "cuja obra todos conhecem, mas não sabem a quem pertence". Soares da Rosa dá como exemplo "o logótipo dos Comboios de Portugal [CP]".</p> <p>O investigador inclui ainda uma cronologia biográfica do artista plástico e da sua obra.</p> <p>Soares da Rosa recorda assim exposições de Santa-Bárbara, painéis de azulejo que criou, como os da estação ferroviária do Pragal, em Almada, cartazes, arranjos gráficos de livros, pictogramas, peças de design industrial e de design gráfico que concebeu.</p> <p>José Afonso não foi o único artista a ter capas feitas por Santa-Bárbara, outros seguiram-lhe o exemplo. É o caso de Mário Viegas, com "A Invenção do Amor e Outros Poemas de Daniel Filipe" (1973), Adirano Correia de Oliveira com "Notícias d'Abril" (1978), Fausto e "O Despertar dos Alquimistas" (1985), Ana Firmino e "Carta de Nha Cretcheu" (1989), Andrés Stagnaro e "Entre Dos Lunas" (2009), ou o mais recente "Não Lugar" (2023), de O Gajo, entre outros.</p> <p>"Não há dúvida, José Afonso e a sua obra, a [a sua] discografia, ganharam outra mensagem importante com o trabalho de Santa-Bárbara", sentenciou Soares da Rosa, estendendo esse fator a "outros artistas de nomeada do nosso panorama".</p> <p>A primeira capa que José Santa-Bárbara fez para José Afonso foi "Cantares do Andarilho" (1968), seguindo-se "Contos Velhos, Rumos Novos" (1969) e "Traz Outro Amigo Também" (1970).</p> <p>"O impacto desta capa foi muito grande", recorda Soares da Rosa. Foram "utilizadas fotografias 'photomaton', que simulam as fotografias da polícia política".</p> <p>Na relação de Santa-Bárbara com José Afonso sucederam-se "Cantigas do Maio" (1971), "Eu Vou Ser Como a Toupeira" (1972), "Venham Mais Cinco" (1973), "Enquanto Há Força" (1978), "Fados de Coimbra e Outras Canções" (1981) e "Como Se Fora Seu Filho" (1983).</p> <p>O livro, que é apresentado na sexta-feira, às 18:00, na Biblioteca-Espaço Cultural Europa, em Campo de Ourique, em Lisboa, pontua "os momentos essenciais da vida de Santa-Bárbara e da sua obra". Na apresentação participa o músico João Afonso, sobrinho de José Afonso.</p> <p>Sobre o artista plástico, Soares da Rosa referiu "o sentido de humor notável e uma real modéstia".</p> <p>A obra inclui um texto introdutório de José Santa-Bárbara, autor de um "trabalho notável que são aquelas capas icónicas", concluiu o investigador.</p> <p> </p> <p>Fonte: https://www.noticiasaominuto.com/cultura/2442062/santa-barbara-capista-de-zeca-destaca-obra-pioneira-do-designer</p> <p> </p>