
Que o ano de 2024 traga novos ventos a favor do (re) pensar das políticas públicas-linguísticas-educativas de modos a se alcançar uma sociedade mais equitativa, mais democrática
<p> A escola contemporânea angolana precisa de se abrir à diversidade linguística do país, aceitar a presença do outro e chamá-lo para dentro da escola, o que pressupõe legitimar a sua língua, suas práticas, a sua visão de mundo, suas crenças</p> <p>Já leva cerca de cinco anos que venho a discutir questões sobre o ensino em contexto rural. Essa preocupação deveu-se ao facto de sentir o meio rural órfão de pesquisas, senão mesmo silenciado e invisibilizado pelas políticas públicas educativas. E durante esta lida, fomos compreendendo os (des) lugares que ocupam as escolas nesse contexto. No espírito de um intelectual orgânico, um conceito criado por Gramsci para descrever o intelectual preocupado com a sua classe social e servindo de porta-voz daqueles que sem voz, sem vez, sem oportunidade, os silenciados, ergam ilhas no vazio.</p> <p>Passam dias, passam semanas, passam meses, passam anos, mas os problemas do ensino em escolas rurais angolanas continuam estáticos, sem merecer uma atenção da parte de quem de direito. Pressupomos que existam várias formas de prestar atenção, o que, para nós, pode significar nada, na medida em que os problemas dessas escolas se multiplicam sem um olhar devido. Há mesmo escolas em contexto rural que chegam a fechar como nos relata o estudo de Bernardo (2022) intitulado "Da língua e outras coisas mais na escola rural: um diagnóstico da situação em Ngunda/Bié”, o que exige o (re) pensar do estatuto das línguas nacionais, a descentralização das políticas públicas linguísticas e educativas, a descentralização do currículo e do calendário académico. </p> <p>Um dos grandes problemas que trago hoje para a nossa reflexão prende-se à participação dos pais na formação de seus educandos, uma vez que a política linguística de que o nosso ensino se sustenta está assente no português como a língua de ensino, como se pode depreender da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino 32/20. Lei esta que acaba por negligenciar o cenário linguístico do país, a diversidade linguística. Essa realidade, dita de forma descoberta leva a que muitos alunos vejam a escola como o lugar menos atraente para estar, não só pela política linguística imposta nessa realidade, mas também pelo facto de terem um plano curricular menos atraente para essas comunidades.</p> <p>O cenário descrito pode cogitar-nos a reflectir sobre questões de conflitos político-ideológicos na escola angolana. Entendemos conflito político-ideológico como as acções que visam nada mais do que polarizar outros, criando dessa forma a elite e o proletariado. Porém essa polarização promove conflitos. Aqui faremos menção apenas ao intergrupal, que se refere a divergências ou discordâncias entre os membros ou representantes de dois ou mais grupos, quanto à autoridade, às metas, aos territórios ou recursos. E agora, existem conflitos político-ideológicos que permeiam a escola rural em Angola?</p> <p>A escola tem sido um espaço de disputas sociais, o que promove, em certa medida, conflitos político-ideológicos muitas vezes pela manutenção do status quo, quanto pelo enfrentamento à hegemonia. Por exemplo, algumas das acções praticadas pelo Estado,que têm passado para muitos de forma invisível, tem que ver com as políticas linguísticas voltadas a homogeneização linguística, constituindo um perigo mortal para o desenvolvimento do país. Essa actuação do Estado promove o silenciamento de alunos, pais e ou encarregados de educação, visto que Angola é um país de diversidade linguística e os pais veem-se impossibilitados de ajudar os filhos a resolver as tarefas escolares por falta de domínio da língua portuguesa, a língua de ensino. Outra acção, não menos importante, que tem provocado conflito em escolas rurais tem a ver com a urbanização da escola, isto é, a escola não quer reconhecer as práticas, os saberes das comunidades, o que vem a influenciar grandemente na evasão e abandono escolar.</p> <p>Os cenários descritos acima se encaminham a uma ideologia do capitalismo que influencia grandemente os discursos propalados segundo os quais os alunos de escolas rurais não sabem ler, são burros, não sabem fazer cálculos e, algumas vezes, as culpas são atribuídas aos professores que têm a dura tarefa de trabalhar em localidades em que a língua de domínio não é o português, tornando-os desobedientes, algumas vezes, à política linguística vigente. Levanta-se também uma crítica à concepção de escola que se tem, pois a sua generalização, ou melhor, nacionalização leva a que se tenha um modelo que acaba por não responder às necessidades e às realidades do país.</p> <p>Desse modo, enfrentamos, pois, uma crise da escola em realidade rural ao instrumentalizar o aluno a serviço do capitalismo, levando com que a sua língua e as suas práticas sejam deslegitimadas pela doutrina de escola que perde de vista o quão a escola contribui na resolução de problemas sociais, económicos, políticos e culturais. Fica evidente que embora o Estado naturalize as ideologias hegemónicas é notório o fracasso do ensino em escolas rurais sendo motivado por questões de conflitos político-ideológicos que tomam o espaço e relegam a parceria que deve existir entre a família e a escola, interferindo no pleno desenvolvimento cognitivo, psicológico, social e cultural da criança.</p> <p>Que o ano de 2024 traga novos ventos a favor do (re)pensar das políticas públicas-linguísticas-educativas de modos a se alcançar uma sociedade mais equitativa, mais democrática. A escola contemporânea angolana deprecisa se abrir à diversidade linguística do país, aceitar a presença do outro e chamá-lo para dentro da escola, o que pressupõe legitimar a sua língua, suas práticas, a sua visão de mundo, suas crenças, visto que o conservadorismo eurocêntrico não responde à realidade. Entretanto, as comunidades precisam sentir que a escola acolhe as suas demandas para que o ensino não seja visto como única e exclusivamente responsabilidade da escola. A política-ideológica da escola não pode ser em favor das assimetrias. </p> <p> </p> <p>Fonte: https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/um-conflito-ideologico-na-escola-rural-angolana/</p>